A equipe de Luca explicou como a animação 2D influenciou a estética estilizada do filme, que aposta mais na expressividade dos personagens.
Tem algo de diferente nesse filme, mas eu não sei bem dizer o que é. Essa foi minha primeira reação ao ver o visual final de Luca e Alberto, personagens da nova animação da Pixar: Luca. Situado na Itália, o filme esbanja a potência visual que se tornou marca registrada do estúdio, mas consegue, ao mesmo tempo, parecer mais estilizado e cartunesco que os longas anteriores.
Ao produzir o primeiro filme completamente animado por computador, a Pixar estabeleceu o uso de novas tecnologias como característica importante em seu fazer cinematográfico, sempre se desafiando e traçando novos limites para a animação em 3D, com inovações como os pelos do Sulley em Monstros S.A., a água do oceano em Procurando Nemo e a reprodução fiel de Nova York no recente Soul.
Nos últimos anos, o estúdio buscou aperfeiçoar o realismo apresentado nos filmes, com iluminação, texturas e ambientes cada vez mais parecidos com os do mundo real. Só que em Luca, esse realismo foi deixado de lado, pelo menos em parte.
"O que eu não amo tanto na animação por computador é que tem um certo brilho, uma certa perfeição. Agora passou disso, indo em direção ao realismo. Eu amo rascunhos, não uma pintura perfeita que é realista", pontuou o diretor do filme, Enrico Casarosa, para a Animation World Network.
Buscando a imperfeição
Quando Enrico apresentou a ideia de La Luna, curta de 2011, para a Pixar, ele o fez utilizando aquarelas. Eles então perguntaram se ele queria produzi-lo com esse estilo, mas ele ponderou que, estando na Pixar, deveria utilizar as ferramentas disponíveis. Ainda assim, almejou trazer o que ele chamou de imperfeição para o visual.
Dez anos depois e ele se viu no mesmo dilema na produção de Luca, seu primeiro longa: usar todo o poder das ferramentas tecnológicas do estúdio e, ao mesmo tempo, criar um estilo único. "O grande esforço foi encontrar um visual diferente. Você está usando as mesmas ferramentas e não está completamente reinventando, mas está tentando trazer certo aconchego, um pouco de textura, um pouco de imperfeição", ele comentou para o Collider.
A diferença no visual, notada pelos fãs mais atentos logo no primeiro trailer, veio inicialmente dos primeiros rascunhos de Casarosa. "Sendo completamente honesto, começou com a forma que eu desenho. Então esse aspecto de rascunho, essa expressividade cartunesca, fez parte dos nossos primeiros testes. Nós queríamos trazer isso para o filme porque parecia um mundo de crianças, um mundo divertido, e ir nessa direção pareceu verdadeiro com a história", revelou.
Decidido a adotar um visual mais caricato, o diretor incentivou a equipe a explorar essa possibilidade.
A influência da Animação 2D
Quem auxiliou o diretor Enrico Casarosa na missão de transportar alguns elementos da animação 2D para Luca foi Mike Venturini, Supervisor de Animação no filme. Ao Animation World Network, ele contou que Enrico foi fortemente inspirado pelos filmes de Hayao Miyazaki, do Studio Ghibli, e isso serviu como pontapé para que eles incorporassem elementos que geralmente não vemos na animação 3D. "... nós estávamos olhando quais eram algumas das características do Miyazaki, e isso nos inspirou a tentar coisas", pontuou Venturini.
Então, a equipe focou em trazer diversão aos personagens, tirando um pouco do excesso de detalhes. Isso resultou em poses mais próximas do estilo 2D, bocas maiores, arredondadas, e efeitos de movimentação com uso de múltiplos membros.
O diretor Enrico Casarosa detalhou o processo: "... começamos a fazer testes que pareceram mais interessantes e diferentes, que lembravam o 2D e da inclinação de que menos é mais, mas ainda de forma imersiva. Houve um momento em que [ele pensou] 'Bom, se você só se basear em menos é mais, isso pode terminar parecendo desenhos de uma manhã de sábado'. Queríamos fazer algo especial mas precisávamos encontrar um híbrido que fosse empolgante".
Após inúmeros testes, que ajudaram a encontrar o equilíbrio entre o 2D e o 3D, o resultado foi positivo. "Então, na parte da animação, quando a iluminação e os sets se juntaram, foi verdadeiramente quando soube que tínhamos algo especial", relembrou Enrico Casarosa.
Na versão final da animação de Luca, que pode ser vista parcialmente nos trailers, as influências da animação 2D se mostram, principalmente, na expressividade dos personagens, que dizem muito com a boca e com os olhos. A preocupação em mostrar as bocas articulando perfeitamente os fonemas, por exemplo, foi deixada de lado para dar lugar a um falar menos calculado e mais cartunesco.
Mike Venturini sintetizou: "Faz parte do estilo mais gráfico e divertido que tentamos criar. Em um filme tradicional da Pixar, você não veria esse alcance em um personagem principal... na animação 2D, você tende a ser mais ilustrativo com as suas escolhas. Nós realmente queríamos focar na silhueta e no design de poses".
Após uma sucessão de filmes comprometidos a aperfeiçoar o que entendemos por animação realista, Luca traz uma perspectiva interessante para o futuro da Pixar: a inovação pode vir das técnicas que já são bem conhecidas.
Esse artigo é uma síntese e uma adaptação para o português das informações apresentadas nos textos publicados no ScreenRant, no Collider, no Pixar Planet, na Syfy Wire e na Animation World Network, que participaram de um evento para a imprensa com a equipe de Luca.
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